"Carta de Sá-Carneiro a Pessoa, em 1915:
«Para mim basta-me a beleza – mesmo errada, fundamentalmente errada. Mas beleza: beleza retumbante de destaque e brilho, infinita de espelhos, convulsa de mil cores – muito verniz e muito ouro: teatro de magia e apoteose...».
É com «olhos delicados, refinados, esguios e citadinos», numa autocaracterização onde se entrecruzam a ambição modernista, a pose esteticista e uma singular identificação com o feminino, enunciada desde logo pela metáfora organizadora do poema, o verniz, que o sujeito poético de «Manucure» se nos apresenta.
O verniz representa a dimensão cultural, civilizada, expressa pelas imagens refinadas, depois transformadas na brutalidade da indústria e do comércio modernos: gritos, delírio selvático.
Mas o verniz representa igualmente o trabalho existente na «estética futurista», a «nova sensibilidade tipográfica», uma outra beleza metamorfoseada. É, pois, neste envernizamento diverso, que o sujeito lírico termina no mais absoluto frenesim que está para lá da verbalização."