Havia um tempo em que as agulhas que mudavam a direcção dos comboios eram todas manuais.
Havia um tempo em que os comboios eram a vapor e o seu aroma a carvão queimado se espalhava em longas planícies e vales estreitos, junto às águas de um rio.
Havia um tempo em que viajar de comboio era como estar em visitação e em delírio de geógrafo.
Hoje, o comboio que atravessa Portugal de um lado ao outro é um veículo sentimental, visitando paisagens construídas ao longo dos carris, memórias desse outro tempo em que a nossa geografia era também possível distribuída por estações, apeadeiros, ramais, jardins floridos em estações solitárias.
Poucos são os que viajam de comboio querendo viajar de comboio. Utilizamos antes, meios de transporte, sempre mais rápidos que o antigo e quase monótono ritmo de uma locomotiva a subir e a descer por vales, a demorar-se no horizonte quase branco de uma planície.
Por isso, os amantes de comboios são gente rara, coleccionadores de emoções repartidas por partidas e chegadas, de recordações de viagem a uma estação que geralmente fica desenhada no interior do coração, de viagens nocturnas por lugares desconhecidos, por travessias de um país que conserva os seus carris, mas os vai esquecendo perigosamente.
Essa lentidão propositada, os caminhos traçados por algum acaso que acabou por funcionar de maneira correcta na nossa geografia sentimental...
Estar numa estação ferroviária a ver os comboios partir é um dos primeiros passos para se obter esse estranho estatuto de amante dos comboios.
Depois, tudo é revisitar.
Mesmo os lugares desconhecidos...