13 março 2011

Encantamento de viajar num tempo assim...


Coleccionamos coisas, ao longo da vida: restos, circunstâncias, memórias, geografias, acasos, aventuras, brilhos da luz num lago, litorais onde se passa uma vez e a que nunca mais se volta.
São caminhos que descem até nós, e tudo isso se guarda silenciosamente, como uma recordação sem frivolidade.
Um dia, mais tarde, sentamo-nos sobre aquilo que, durante anos, fez a nossa vida ser assim, em silêncio e deslumbramento, quase sem darmos por isso.
Nunca sabemos ao certo qual a imagem que mais feliz tornou o nosso rosto. Nunca saberemos, ao certo, o que a fez durar interminavelmente, unindo continuidades e interrupções, esses restos.
O encantamento prolonga-se enquanto for possível, se não desconfiarmos dele, e deve mesmo cultivar-se como uma obsessão principal, lentamente.
São assim todas as grandes coisas da nossa vida: construídas como uma coisa lenta, frágil, decisiva, no entanto, porque é assim que o segredo de viajar se desvenda; lentamente construímos as paisagens, os declives do mar, a beira do rio, os prados e as montanhas. Depois, escolhemos um caminho.

Um comboio atravessa lentamente os luares onde foi possível viver e onde será sempre possível viver.
Encontramo-nos no corredor do comboio, no intervalo de uma paragem e antes da seguinte. Falamos. Não temos nada a dizer senão o facto de estarmos ai, juntos, inclinados sobre a janela, sorrindo a cada paragem, em estações conhecidas ou desconhecidas.
Não sabemos mais nada do mundo, quando vamos nele; falamos, falamos muito. Com conhecidos ou desconhecidos. Por vezes, em longas viagens, vamos dar a lugares que só existem uma vez na vida. São distantes, imprevistos, impossíveis.
Criamos amigos por uma hora. Paixões da vida inteira, se existem.
A vida é assim.
Um dia, estamos sentados numa estação, o comboio parte e apetece-nos ir também e não ter destino, nem sentido, nem nada. Levamos essas coisas que nos fizeram assim:os papéis, as malas, as fotos, a roupa de Verão, os mapas.
O destino é sempre o mesmo.
Ao entrar na carruagem sentimos, apenas, que descobrimos um dos segredos de viajar.
Coleccionados coisas, ao longo da vida. Até geografias de lugares inexistentes.
Aventuras, paixões. Coisas assim.


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